sexta-feira, 6 de julho de 2012

REAÇÕES ADVERSAS A MEDICAMENTOS

REAÇÕES ADVERSAS A MEDICAMENTOS




José Gilberto Pereira

A Organização Mundial de Saúde (OMS) define reação adversa a medicamento (RAM) como “qualquer resposta prejudicial ou indesejável e não intencional que ocorre com medicamentos em doses normalmente utilizadas no
homem para profilaxia, diagnostico, tratamento de doença ou para modificação
de funções fisiológicas”. Não são consideradas reações adversas os efeitos que ocorrem depois do uso acidental ou intencional de doses maiores que as habituais (toxicidade absoluta).

Reação adversa a medicamento também pode ser entendida como reação nociva e desagradável, resultante de intervenção relacionada ao uso de um medicamento, cuja identificação permite prever riscos de futura administração,
assegurar a prevenção e tratamento especifico, bem como determinar alteração da dose ou cessação do tratamento.

Reações adversas a medicamentos são classificadas com base em diferentes
critérios. A classificação de RAM mais aceita atualmente foi proposta por Rawlins e Thompson que as agrupa em reações do tipo A ou previsíveis e reações do tipo B ou imprevisíveis.

As reações do tipo A resultam de uma ação ou de um efeito farmacológico exagerado e dependem da dose empregada, depois da administração de um medicamento em dose terapêutica habitual. São comuns, farmacologicamente previsíveis e podem ocorrer em qualquer individuo e, apesar de incidência e repercussões importantes na comunidade, a letalidade e baixa. Englobam reações produzidas por dose excessiva relativa, efeitos adversos e secundários, citotoxicidade, interações de medicamentos e características especificas da forma farmacêutica empregada. Podem ser tratadas por meio ajuste de doses ou substituição do fármaco.

As reações do tipo B caracterizam-se por serem totalmente inesperadas em relação as propriedades farmacológicas do medicamento administrado, e são incomuns, independentes de dose, ocorrendo apenas em indivíduos Susceptiveis e sendo observadas frequentemente no pós-registro. Englobam as reações de hipersensibilidade, idiossincrasia, intolerância e aquelas decorrentes de alterações na formulação farmacêutica, como decomposição de substancia ativa e excipientes.

Esta classificação tem sido gradualmente estendida e denominada por outras
letras do alfabeto, incluindo tipo C (reações dependentes de dose e tempo), D
(reações tardias), E (síndromes de retirada), e tipo F (reações que produzem
falhas terapêuticas).

As consequências as reações adversas a medicamentos tem variedade, abrangendo desde reações de leve intensidade ou pouca relevância clinica ate as que causam prejuízo mais grave como internações em hospital, incapacidade ou ate morte. A letalidade por RAM pode alcançar 5% dos indivíduos acometidos, e cerca da metade (49,5%) das mortes e 61% das internações por RAM ocorrem em pacientes com 60 anos e mais. Alguns estudos mostraram que cerca de 4% das admissões em hospital nos Estados Unidos são devidas a RAM e que 57% destas reações não são reconhecidas no momento da admissão. Somando-se pacientes com RAM serias que exigem internação aqueles com RAM ocorridas durante a permanência em hospital atinge-se mais de 2,2 milhões de pessoas por ano, 6.000 pacientes por dia. Nas duas situações, segundo o consenso de vários pesquisadores, em 32% a 69% essas reações são previsíveis.

Na Europa estima-se que 3% a 8% das admissões em hospital são consequentes de RAM. Este número pode chegar a 17% quando se trata de paciente idoso.

Já a incidência de RAM em pacientes hospitalizados atinge a casa dos 20%10.
Na Inglaterra, verificou-se que 6,5% das emergências hospitalares e 38.000 admissões hospitalares anuais ocorreram em consequência de RAM. Revisões sistemáticas e metanalises recentes estimam que a taxa de mortalidade devida a RAM, na população geral, e em torno de 0.15%.

No Brasil, em 2000, identificou-se a ocorrência de 25,9% de RAM em pacientes
admitidos num hospital terciário, sendo que em 19,1% a reação foi causa da admissão e 80,8% ocorreu durante a permanência no hospital.

As RAM são mais comuns do que se pode esperar e nunca se pode garantir que um medicamento seja completamente seguro. A determinação precisa do numero de RAM ocorridas e, entretanto, virtualmente impossível devido a dificuldade em se avaliar a relação de causalidade e pela baixa proporção de notificações de RAM. A variedade da gravidade e dos medicamentos pelos quais são causadas e dos sítios de ocorrência fazem da identificação de uma RAM um processo muito complexo.

E sempre difícil estimar a incidência de RAM com base em notificações espontâneas pela incerteza inerente a estimação do denominador e do grau de
subnotificação. No entanto, sempre que possível, uma estimação de frequência
deve ser apresentada de forma padrão, como a recomendada pelo Council for
International Organizations of Medical Sciences (CIOMS)15, que classifica como muito comuns aquelas cuja frequência ultrapasse 10%, comuns entre 1% e 10%, incomuns entre 0,1% e 1%, raras entre 0,01% e 0,1% e muito raras quando menor que 0,01%.

O primeiro passo para se identificar uma suspeita de RAM e distingui-la dos erros de medicação. Estes consistem em desvios no processo de tratamento, incluindo erros de prescrição, transcrição da prescrição, dispensação, administração ou monitoria. Todavia, RAM advindas de erros de tratamento farmacológico acontecem e são consideradas previsíveis.

De maneira geral, alguns dos seguintes aspectos devem ser observados na identificação e estabelecimento de validade de uma suspeita de RAM: existência de dados epidemiológicos prévios, relação temporal com o uso do fármaco, resposta diante da cessação e reintrodução do fármaco, identificação de causas alternativas, presença de alterações nos exames de laboratório ou na concentração plasmática do farmaco suspeito, ou de ambos.

Outro enfoque na identificação de RAM refere-se a gravidade com que se apresentam. Aquelas consideradas de leve a moderada são geralmente encontradas durante a realização de ensaios clínicos, já as graves e serias requerem maior atenção, uma vez que a incidência ocorre principalmente na pós -comercialização, podendo determinar a elevação dos custos em saúde e prejuízo irreparável aos pacientes afetados. Uma RAM grave e designada pela
intensidade com que ocorre, enquanto a de natureza seria diz respeito aos possíveis desfechos da reação, determinado o quanto ameaçadora e fatal ela pode ser, ou pelo poder de produzir sequelas incapacitantes no paciente.

As reações serias normalmente apresentam-se em sítios dermatológicos e hematológicos e são caracterizadas pela interação do fármaco com o sistema
imune humano. O que mais preocupa nesses tipos de reações e que não se pode prever a ocorrência delas, tornando-as em potente ameaça. Desta forma, a maneira de preveni-las seria não administrar o medicamento.

A máxima primum no nocere (em primeiro lugar não causar dano) fundamenta
o que na atualidade se denomina relação beneficia-risco terapêutico, e implica no uso racional dos medicamentos. A partir do conhecimento e das provas cientificas, a decisão clinica torna-se mais reflexiva e assertiva, de maneira a buscar maiores graus de seguranca para o paciente por ocasiao das intervenções terapeuticas. Desta forma, a ciência e as atividades relativas a identificação, avaliação, compreensão e prevenção dos efeitos adversos ou qualquer outro problema relacionado com medicamentos e denominada

Em farmacovigilância, o primeiro alerta que descreve o problema de segurança
com o uso de um medicamento e denominado sinal, o que pode ser compreendido como comunicado de informação sobre uma possível relação causal entre um evento adverso e um medicamento, sendo a relação desconhecida ou documentada previamente de maneira incompleta. Normalmente mais de uma notificação e necessário para gerar um sinal, dependendo da gravidade do caso e da qualidade da informação. A identificação do sinal e uma das metas mais importantes da farmacovigilância; todo o processo de avaliação de beneficia-risco depende da identificação eficiente de sinais, com base na notificação espontânea de RAM.

Estas notificações são cuidadosamente estudadas e classificadas em uma base de dados. Um padrão e estabelecido por metodo cientifico de calculo segundo tabelas de dados e isto da uma ideia razoável dos sinais com probabilidade de se elevarem a efeitos adversos.

Todo o escopo do programa internacional de vigilancia dos medicamentos na pos-comercialização tem sede no Uppsala Monitoring Centre da Organização
Mundial da Saúde. E para este centro que seguem as notificações de ocorrências de RAM originadas nos 98 países membros. Nos últimos cinco anos, Nova Zelândia, Estados Unidos, Suíça e Austrália tem se destacado quanto a numero de notificações de RAM enviadas ao centro, que acumula desde sua criação, em 1968, ate o momento, mais de cinco milhões de notificações.

O Brasil integra o programa desde 2001, quando foi criado o Centro Nacional de Acompanhamento de Medicamentos (CNMM) e implantado o Sistema Nacional de Farmacovigilância. O CNMM esta situado na Agencia Nacional de
Vigilancia Sanitária (Anvisa), mais especificamente na Gerencia de Farmacovigilância.

O Sistema encontra-se em desenvolvimento e vem utilizando algumas estratégias de expansão como a Rede de Hospitais Sentinela, o Programa de
Farmácias Notificadoras, o Notivisa, sistema eletrônico de notificação de eventos adversos e queixas técnicas de medicamentos, e a exigência de elaboração e envio a autoridade sanitária dos Relatórios Periódicos de Farmacovigilância (RPF) pelas empresas detentoras de registros de medicamentos no pais.

Em apoio ao Sistema Nacional de Farmacovigilância, os Centros de Informação sobre Medicamentos (CIM) e os Centros de Informação e Assistência Toxicologica (CIAT) são serviços apropriados de apoio ações de vigilância de medicamentos e reações adversas, entre outras. Atuando, segundo as características de cada um, como fonte de informação farmacológica, terapêutica e toxicológica atualizada, objetiva, oportuna e independente, e de assistência toxicológica, com base na literatura cientifica internacionalmente reconhecida.

O CNMM esta apto a receber as notificações de RAM provenientes de todo território nacional. No entanto, para que o sistema se concretize, são necessários sensibilização e reconhecimento pelos profissionais da saúde quanto a importância e a repercussão de se consolidar dados sobre RAM, e consequentemente a integração desses profissionais ao sistema.

A notificação de suspeita de RAM e voluntaria, portanto, sua prossecução depende totalmente do interesse e da responsabilidade do profissional com relação ao paciente atendido e com a saúde da sociedade. As autoridades sanitárias orientam para que sejam notificadas ao menos as RAM ocorridas com medicamentos recém - introduzidos no mercado, ou ainda que sejam fatais, ameaçadoras, incapacitantes, que resultem em internação ou aumento de permanência no hospital, que determinem anomalias congênitas, ou que sejam clinicamente graves.

Ainda, retornando a questão da relação beneficia-risco do uso de medicamentos, se torna evidente que a consolidação no sistema, das RAM ocorridas no pais, pode subsidiar decisões para alterações de bulas, restrições de uso e ate a retirada de medicamentos do mercado ou mudança da categoria de venda destes produtos pela autoridade sanitária reguladora.

Voltando-se para os recursos farmacoterapêuticos empregados no pais, verifica-se que vários medicamentos, cuja venda foi condenada em outros países, são comumente utilizados por nossa população. Verifica-se também que, embora provas cientificas apontem para a retirada desses medicamentos do mercado, ainda assim se faz necessário que dados farmacoepidemiologicos de caráter local sejam fornecidos pela rede de saúde, tendo em vista melhorar a eficiência da regulação de medicamentos no pais. Desta forma, pode-se contribuir para que os medicamentos utilizados pela sociedade brasileira sejam eficazes e seguros.

Referências

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INTERAÇÕES DE MEDICAMENTOS

INTERAÇÕES DE MEDICAMENTOS



Carlos Cézar Flores Vidotti

Interação farmacológica é o evento clinico em que os efeitos de um fármaco são alterados pela presença de outro fármaco, alimento, bebida ou algum agente químico do ambiente. As interações farmacêuticas (ou incompatibilidades) também podem ser consideradas interações farmacológicas, diferindo das anteriores por ocorrerem in vitro e aquelas in vivo. Ha, também, as interferências de fármacos em exames de laboratório, seja por efeito in vivo ou por interferência analítica.

Ocorrência e importância de interações farmacológicas

A incidência de interações farmacológicas clinicamente importantes em pacientes internados aumenta muito com a quantidade de fármacos administrados: 7% (6 a 10 fármacos) para 40% (10 a 20). Em estudo brasileiro, pacientes internados em hospitais que usavam cinco ou mais fármacos apresentaram cerca de cinco vezes mais chance de desenvolver uma interação, quando comparados com o grupo que recebeu ate quatro fármacos. Neste mesmo estudo, das interações medicamento-medicamento teoricamente possíveis de ocorrer (37% dos pacientes internados), 12% foram consideradas graves (por exemplo, podiam provocar morte) e aumentaram o tempo e o custo da internação.

Embora o custo das interações de medicamentos seja uma lacuna no conhecimento atual, as internações mais caras estavam fortemente associadas a elas.

Os pacientes com probabilidade de desenvolver interação ficaram internados,
em media, por quase o dobro do tempo (8 e 15 dias, respectivamente)5. A incidência de interações farmacológicas em pacientes de ambulatório e desconhecida, mas ocorreram entre 2% e 4% das prescrições atendidas em farmácias comunitárias.

As interações farmacológicas são uma das causas de reações adversas a medicamentos – RAM. Embora a incidência de RAM decorrentes de interações farmacológicas não seja estabelecida, as RAM foram responsáveis ou contribuíram por 6,6% das internações em hospitais em estudo brasileiro, e 10% em estudo australiano, das quais 4,4% foram imputadas a interações de medicamentos.

Interações medicamento-medicamento

Quando dois medicamentos são administrados concomitantemente a um paciente, eles podem agir de forma independente entre si, ou podem propiciar aumento ou diminuição de efeito terapêutico ou de efeito toxico de um ou de outro.

Ha interações benéficas e uteis, como na co - prescrição deliberada de anti- hipertensivos e diuréticos, em que estes aumentam o efeito daqueles ou reduzem seus efeitos adversos. Algumas vezes, a interação farmacologica reduz a eficácia de um fármaco. Por exemplo, tetraciclina sofre quelação por antiácidos e alimentos lácteos, sendo excretada nas fezes, sem produzir o efeito antimicrobiano desejado.

O desfecho de uma interação farmacológica pode ser perigoso quando promove aumento da toxicidade de um fármaco. Assim, pacientes que fazem uso de varfarina podem ter sangramento se passarem a usar um anti- inflamatório não- esteroide (AINE) sem reduzir a dose do anticoagulante.

A diminuição do efeito de um fármaco por outro pode ser necessária em casos de dose excessiva, como o uso da naloxona como antidoto para morfina e de flumazenil como antagonista de benzodiazepinicos.

As características do paciente podem favorecer a ocorrência das interações. Por exemplo, nos idosos ocorre diminuição de função renal e hepático; por esse motivo, e provável que a incidência de interações seja maior nos idosos, pela lenta eliminação dos fármacos. Alem disso, nos idosos ocorre redução da proporção de água em relação ao peso total, o que pode alterar o volume de distribuição e, consequentemente, a farmacocinética.

Mecanismo das interações farmacológicas

Classificar e conhecer as interações farmacológicas pelo modo e sitio em que
ocorrem permite predizer, identificar e evitar seu surgimento. Assim, elas podem ser classificadas como farmacodinâmica ou farmacocinética quando ocorrem in vivo e incompatibilidade (ou interação farmacêutica) quando in vitro.

Interações farmacodinâmicas

São aquelas em que os efeitos de um fármaco são alterados pela presença do outro no seu sitio de ação ou no mesmo sistema fisiológico; induzem mudança na resposta do paciente a outro fármaco. São as mais frequentes e podem propiciar:

Sinergismo.

Nos casos em que dois ou mais fármacos administrados conjuntamente tem o mesmo efeito farmacológico. Por exemplo, a administração de trimetoprima e sulfametoxazol tem efeito benéfico pela atuação dos fármacos em etapas diferentes do metabolismo bacteriano cujo resultado e o aumento do espectro bacteriano e o aumento na atividade antimicrobiana, que passa de bacteriostática para bactericida. De outra forma, o efeito aditivo pode ser prejudicial, como nos casos do uso concomitante de depressores do SNC, cujos efeitos vão desde a redução das habilidades psicomotoras ate coma e morte. Um importante depressor do SNC e etanol.

Antagonismo.
A administração conjunta de fármacos pode levar a diminuição do efeito, por exemplo, por competição ou bloqueio do receptor. A administração conjunta de levodopa, usada no tratamento da doença de Parkinson, com antipsicóticos, que apresentam parkinsonismo como efeito adverso, leva a redução do efeito da levodopa; hipoglicemiantes tem efeito reduzido pela administração conjunta de glicocorticoides. De outra forma, o antagonismo e benéfico quando uma substancia e empregada como corretivo e como antídoto.

Alterações no equilíbrio hidreletrolítico.

A sensibilidade do miocardio aos glicosídeos digitálicos pode aumentar, resultando em aumento da toxicidade dos glicosídeos pela redução nas concentrações plasmáticas de potassio, causada por diuréticos como a furosemida.
Os teores plasmáticos de lítio podem aumentar se diuréticos tiazidícos (hidroclotiazida) forem utilizados, pois a depuração do lítio pelos rins e modificada, provavelmente como resultado de mudanças na excreção de sódio
provocada pelos diuréticos.

Interações farmacocinéticas

Ocorrem quando um fármaco modifica o processo pelo qual outro e absorvido, distribuído, biotransformado ou excretado.
Não são facilmente previsíveis e ocorrem pelos seguintes mecanismos:

Na absorção

• Alteração no pH gastrintestinal.
• Adsorção, quelação e outros mecanismos de complexação.
• Alteração na motilidade gastrintestinal.
• Redução na absorção.

Na distribuição

• Competição pela ligação a proteínas plasmáticas.
• Hemodiluição com redução de proteínas plasmáticas.

Na biotransformação

• Indução enzimática (por barbituratos, carbamazepina, glutetimida, fenitoina,
primidona, rifampicina e tabaco).
• Inibição enzimática (alopurinol, cloranfenicol, cimetidina, ciprofloxacino, dextropropoxifeno, dissulfiram, eritromicina, fluconazol, fluoxetina, isoniazida, cetoconazol, metronidazol, fenilbutazona e verapamil).

Na excreção

• Alteração no pH urinário.
• Alteração na excreção ativa tubular renal.
• Alteração no fluxo sanguíneo renal.
• Alteração na excreção biliar e no ciclo entero-hepático.

Interações farmacêuticas ou incompatibilidades

Ocorrem in vitro, isto é, antes da administração dos fármacos no organismo, quando se misturam dois ou mais numa mesma seringa, equipo ou outro recipiente. Devem-se a reações químicas ou fisioquímicas que resultam em:
• Alterações organolépticas – apresentadas como mudanças de cor, consistência (sólidos), opalescência, turvação, formação de cristais, floculação, precipitação, associadas ou não a mudança de atividade farmacológica.
• Formação de novo composto (ativo, inócuo, toxico).
• Diminuição da atividade ou inativação de um ou mais dos fármacos originais.
• Aumento da toxicidade de um ou mais dos fármacos originais.

A ausência de alterações macroscópicas nãogarante a inexistência da interação farmacêutica; por isso, é indispensável à adoção de cuidados para evita-las.

Isso pode ser feito quando se conhecem as características do produto tais como solubilidade, reconstituição, armazenamento e modo de administração.

Em nutrição parenteral, a causa mais significante de precipitação e a concentração excessiva de fosfato de cálcio; a oxidação de vitaminas e a reação quimica mais frequente.

Recomenda-se que os medicamentos não sejam adicionados a sangue, soluções de aminoacidos ou emulsões lipidicas. Certos fármacos, quando adicionados a fluidos intravenosos, podem ser inativados por alteração do pH, por precipitação ou por reação química.

Medicamentos administrados por infusão continua são mais susceptíveis a interações farmacêuticas, em especial quando o uso e concomitante e em via única.

Interações medicamento-alimento

O uso concomitante de medicamentos com alimentos pode ter implicações clinicas importantes, contudo, muitas dessas combinações não produzem interações ou resultam em interações sem importância clinica.

Como resultado, alguns medicamentos são preferentemente administrados com alimento, seja para aumentar a absorção ou para diminuir o efeito irritante
sobre o estomago; de modo oposto, ha medicamentos que tem a disponibilidade e a eficácia diminuídas se administrados com alimentos. Nestes casos, a administração deve ser feita com estomago vazio, ou seja, uma hora antes ou duas horas depois das refeições.

Dietas com elevado teor de proteínas, repolho e ingestão crônica de etanol podem aumentar a biotransformação de fármacos enquanto o maior consumo
de carboidratos, dietas vegetarianas, ingestão aguda de etanol, consumo de xantinas (café, alguns chás, cacau/chocolate), acido ascórbico e tocoferol podem diminuir a biotransformação. Proteínas e carboidratos acidificam a urina, aumentando o tempo de eliminação de fármacos ácidos, como barbitúricos e sulfonamidas, e podem provocar aumento do efeito farmacológico.

Dieta pobre em proteínas, como nas vegetarianas, e consumo de leite e derivados alcalinizam a urina, favorecendo a reabsorção de fármacos alcalinos, prolongando sua meia vida no organismo e aumentando a excreção de fármacos ácidos.

Fármacos podem modificar o metabolismo de nutrientes, e, em alguns casos, determinar alteração do estado de nutrição. Por exemplo, o metotrexato e a ciclosporina lesam a mucosa intestinal, diminuindo a absorção de cálcio.

Antiácidos, laxativos e antimicrobianos podem causar a perda de nutrientes. Nestes e em outros casos, o suplemento dietético pode ser necessário para restabelecer as condições normais de nutrição do paciente. Zinco, magnésio, ácido ascórbico e riboflavina apresentam função de grande relevância na biotransformação hepática de fármacos; o zinco, por exemplo, e elemento básico para a atividade de enzimas especificas do processo de biotransformação.

Interação de fármacos com exames de laboratório

Fármacos ou metabolitos podem alterar resultados de exames de laboratório por interferência analítica (in vitro) ou efeito biológico (in vivo). Assim, por exemplo, tetraciclina, isoniazida e levodopa aumentam a glicemia mensurada, mas não a real, por interferência analítica; da mesma forma, o dinitrato de isossorbida e o mononitrato de isossorbida, alem do nitrito de sódio, diminuem os teores mensurados de colesterol por interferência analítica, mas não os teores reais.

Condutas recomendadas para reduzir o risco de interação farmacológica

A redução do risco de interação farmacológica envolve algumas condutas que os profissionais devem adotar ao selecionar e realizar monitoria de esquemas terapêuticos.

• Identificar os fatores de risco do paciente: idade, doenças, hábitos alimentícios, fumo, uso de álcool, entre outros.
• Registrar, de modo completo e com exatidão, os medicamentos usados pelo
paciente, prescritos ou nãoprescritos.
• Conhecer os mecanismos de ação farmacológica dos medicamentos em uso
ou em consideração. Muitas interações são dependentes de dose; nesses casos, a dose do medicamento indutor da interação poderá ser reduzida para que o efeito sobre o outro medicamento seja diminuído. Por exemplo, isoniazida aumenta as concentrações plasmáticas de fenitoina, particularmente nos indivíduos que são acetiladores lentos, e as concentrações podem se elevar ate grau toxico. Neste caso, e preciso realizar monitoria de concentrações e reduzir doses de forma a mante-las dentro nas margens terapêuticas.
• Considerar opções terapêuticas, substituindo um dos fármacos por outro com propriedades similes e com menor risco de interação (ex.: substituir cimetidina por ranitidina).
• Realizar monitoria e ajustar dose dos fármacos que interagem entre si, quando nãohouver possibilidade de substituir ou suspender um deles.
• Evitar esquemas terapêuticos complexos, sempre que possível (ex.: evitar associações de fármacos com mesma ação farmacológica quando nãohouver
prova suficiente de beneficio ao paciente, tais como anti-inflamatórios não esteroides, analgésicos, etc.).
• Educar o paciente, que deve conhecer sobre sua doença, os benefícios e riscos da terapia. Estimular o paciente a indagar sobre a doença e o tratamento
que recebe e verificar se ele sabe sobre a forma de uso dos medicamentos. Pacientes esclarecidos e que entendam essas questões provavelmente serão mais aderentes ao regime terapêutico e serão parceiros na identificação de melhoras e de problemas com o tratamento, aperfeiçoando a comunicação.
• Acompanhar o paciente para prevenir a ocorrência de interações e de reações adversas a medicamentos. Mudança no comportamento do paciente pode estar relacionada a problema com o uso de medicamentos e deve ser considerada ate que a possibilidade seja excluída.
• Individualizar a terapia, indispensavel ao se considerar a grande variedade de
resposta de pacientes a um mesmo esquema terapêutico.
• Estar alerta com qualquer medicamento que tenha baixo índice terapêutico ou que requeira a manutenção de teores séricos específicos (ex.:glicosideos, digitálicos, aminoglicosideos, antipsicoticos, imunossupressores, anticoagulantes, citotóxicos, anti-hipertensivos, anticonvulsivantes, anti-infectantes, hipoglicemiantes).
• Considerar característica indutora ou inibidora enzimática. São indutores, por exemplo, barbituratos, carbamazepina, glutetimida, fenitoina, primidona, rifampicina, tabaco, etc.); e inibidores: alopurinol, cloranfenicol, cimetidina, ciprofloxacino, dextropropoxifeno, dissulfiram, eritromicina, fluconazol, fluoxetina, isoniazida, cetoconazol, metronidazol, fenilbutazona e verapamil.
• Considerar que idosos estão sob maior risco, principalmente pela redução das funções hepática e renal, que podem tornar mais lenta a eliminação dos fármacos.
• Adotar precaução quando for necessário empregar medicamentos que não requerem prescrição, fitoterápicos (ex.: erva de são joão), assim como certos tipos de alimentos, agentes químicos não- medicinais, álcool e tabaco.
• Considerar que alterações fisiológicas associadas a fatores como idade e gênero também influem na predisposição individual a reações adversas resultantes de interações farmacológicas. Os medicamentos com baixo índice terapêutico (ex.: digoxina, fenitoina, carbamazepina, aminoglicosideos, varfarina, teofilina, lítio, ciclosporina) e os que requerem controle cuidadoso de dose (ex.: anti-hipertensivos, hipoglicemiantes) são os mais associados a ocorrência de efeitos perigosos quando sua ação é significantemente alterada. A maioria deles tem uso em tratamentos prolongados e muitos são biotransformados por enzimas hepáticas.

Pacientes podem fazer uso concomitante de medicamentos interagentes sem
apresentar prova de efeito adverso. Não e possível distinguir claramente quem
ira ou nãoexperimentar uma interação farmacológica adversa. Possivelmente,
pacientes com múltiplas doenças, com disfunção renal ou hepática, e aqueles
que fazem uso de muitos medicamentos são os mais susceptíveis.

A população idosa frequentemente se enquadra nesta descrição. Muitas interações farmacológicas não apresentam consequências graves e muitas que são perigosas em potencia ocorrem apenas em pequena proporção de pacientes. Uma interação conhecida não necessariamente ocorrera na mesma
intensidade em todos pacientes.

Os profissionais de saúde devem individualizar o regime terapêutico, com base na melhor prova cientifica disponível, conforme a situação de cada paciente, considerando as características e parâmetros específicos do mesmo.

Nas monografias deste Formulário são listadas as interações de maior relevância clinica e que tenham boa prova cientifica, incluindo as associações contraindicadas e as que podem produzir efeitos graves ou moderados. A contraindicação indica que o risco de uma associação supera eventual beneficio ao paciente, o que nãoa torna recomendável; as interações graves são as que podem oferecer risco de morte e/ou que requerem intervenção medica para diminuir ou prevenir eventos adversos graves; as interações moderadas podem resultar em exacerbação das condições clinicas do paciente e/ou requerer alteração na Interações de medicamentos terapia. Nesta edição do FTN foram também incluídas recomendações de conduta para a prevenção e resolução de problemas com as interações listadas.

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