quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

NOÇÕES GERAIS SOBRE O USO RACIONAL DE MEDICAMENTOS (URM)

NOÇÕES GERAIS SOBRE O USO RACIONAL DE MEDICAMENTOS (URM)



INTRODUÇÃO

Os medicamentos modernos ocupam um papel importante nos sistemas sanitários, pois salvam vidas e melhoram a saúde. No entanto, existem milhões de pessoas com doenças comuns, como pneumonia, malária, tuberculose, hipertensão e outras tantas enfermidades, sujeitas a vicissitudes frequentemente relacionadas aos tratamentos medicamentosos. Como exemplos, temos: falta de acesso a um tratamento adequado ou a recursos para sua aquisição; uso de medicamentos de baixa qualidade, resultando em processos falhos de seleção, abastecimento e controle da qualidade; erros de medicação,  tais como:

Ø  Dose errada,
Ø  Medicamento errado,
Ø  Posologia errada,
Ø  Duração errada etc.;
Ø  Falta de orientação quanto ao tratamento –, resultando em baixa adesão,
Ø  Mau uso,
Ø  Inefetividade.

A promoção do uso racional de medicamentos é um componente muito importante de uma política nacional de medicamentos.

O medicamento é uma importante ferramenta terapêutica e muitas vezes resultante do processo de prescrição, pode-se inferir a importância dos medicamentos nesse processo (Brasil, 1998).

O uso racional ocorre quando o paciente recebe o medicamento apropriado à sua necessidade clínica, na dose e posologia corretas, por um período de tempo adequado e ao menor custo para si e para a comunidade (MSH, 1997). Dessa forma, o uso racional de medicamentos inclui:

v Escolha terapêutica adequada (é necessário o uso de terapêutica medicamentosa);
v Indicação apropriada, ou seja, a razão para prescrever está baseada em evidências clínicas;
v Medicamento apropriado, considerando eficácia, segurança, conveniência para o
paciente e custo;
v Dose, administração e duração do tratamento apropriados;
v Paciente apropriado, isto é, inexistência de contraindicação e mínima probabilidade
de reações adversas;
v Dispensação correta, incluindo informação apropriada sobre os medicamentos prescritos;
v Adesão ao tratamento pelo paciente;
v Seguimento dos efeitos desejados e de possíveis eventos adversos consequentes do tratamento.

Segundo Le Grand; Hogerzeil & Haaijer-Ruskamp (1999), o uso irracional de medicamentos é um importante problema de saúde pública em todo o mundo, com grandes consequências econômicas. Ainda segundo os mesmos autores, tem sido estimado que a prescrição incorreta pode acarretar gastos de 50 a 70% mais altos dos recursos governamentais destinados a medicamentos. Entretanto, quando utilizados apropriadamente, os medicamentos são o recurso terapêutico mais frequentemente custo-efetivos (McIsaac et al., 1994).
...

O URM envolve dois atores de forma fundamental: o prescritor e o paciente (individual
ou coletivo). Estes atores interagem de forma dinâmica. O prescritor tem papel determinante na conduta do paciente, mas o paciente também, com suas expectativas, hábitos culturais etc. poderá influenciar os hábitos prescritivos.

A relação destes atores está permeada por uma série de questões que envolvem a capacidade de definição e implementação de uma política de medicamentos, as relações do mercado farmacêutico, particularmente no que se refere à propaganda médica, à organização da rede de serviços, em nível de educação da sociedade, a fatores culturais de um modo geral e ao arcabouço legal.

Um outro ator também de grande importância é o dispensador, pois muitas interferências positivas ou negativas estão ligadas à forma como a dispensação acontece .

Algumas áreas, dentro do conhecimento farmacêutico, têm-se desenvolvido no sentido
de procurar estudar essas relações e seus determinantes, em que podemos destacar as
seguintes: os Estudos de Utilização de Medicamentos (EUM), a Farmacovigilância e a Farmacoenomia.

Os resultados desses estudos irão orientar diversas estratégias de intervenção na busca do uso racional, que, neste texto, agrupamos em: estratégias para a promoção do URM dirigidas ao prescritor, promoção do URM dirigida à comunidade (menos frequente que a anterior) (Le Grand; Hogerzeil & Haaijer-Ruskamp, 1999) e informação de medicamentos. Procuramos, na Figura 1, representar o modelo teórico conceitual da inter-relação dos elementos do URM.

Os esforços mais organizados para a promoção do uso racional tiveram início nos anos
70, com a introdução do conceito de medicamentos essenciais pela OMS, que tinha como
intenção principal tanto a promoção do uso racional como a garantia do acesso. Apesar de atualmente cerca de 160 países contarem com listas de medicamentos essenciais, ainda é bastante grande a parcela da população mundial à margem de acesso universal aos medicamentos. Uma questão inicial na discussão do estabelecimento dos diferentes tipos de intervenções para promoção ou avaliação do uso racional consiste na identificação dos possíveis problemas, para o que apresentam-se a seguir algumas possibilidades de classificação.

PRINCIPAIS PROBLEMAS QUANTO AO USO DE MEDICAMENTOS

SOBRE USO DE MEDICAMENTOS – São particularmente os injetáveis, como consequência tanto da prescrição excessiva quando do consumo exacerbado

POLIMEDICAÇÃO OU POLIFARMÁCIA – A OMS considera que, no nível da atenção básica de saúde (ABS), 1 ou 2 medicamentos por receita costumam ser suficientes

USO INCORRETO DE MEDICAMENTOS – Esta ‘categoria’ inclui o uso de um medicamento errado para uma condição específica (antibióticos ou antidiarréicos para a diarréia infantil), o uso de medicamentos de eficácia duvidosa (agentes anti-motilidade para diarréia), emprego de fármacos de segurança questionável (dipirona) e uso de dose inapropriada (caso frequente de antibióticos e TRO) Fonte: MSH (1997).

TIPOS DE PROBLEMAS NA PRESCRIÇÃO

PROBLEMAS DE PRESCRIÇÃO EXEMPLO

PRESCRIÇÃO EXTRAVAGANTE

Ø  Um medicamento barato proporcionaria eficácia e segurança comparáveis a outro mais caro
Ø  O tratamento sintomático de condições leves desvia recursos de tratamento de enfermidades mais severas
Ø  Utiliza-se um medicamento de determinada marca quando existirem genéricos mais baratos

SOBREPRESCRIÇÃO

Ø  O medicamento não é necessário
Ø  A dose é exagerada
Ø  O período de tratamento é demasiadamente longo
Ø  A quantidade dispensada é exagerada em relação ao que será realmente utilizado

PRESCRIÇÃO INCORRETA

Ø  O medicamento está receitado para um diagnóstico incorreto
Ø  Seleciona-se um medicamento equivocado para determinada doença
Ø  A prescrição está redigida de forma inapropriada
Ø  Não se fazem ajustes para fatores coexistentes (clínicos, genéticos, ambientais e outros)

PRESCRIÇÃO MÚLTIPLA

Ø  Utilizam-se dois ou mais medicamentos quando um dos dois alcançaria virtualmente o mesmo efeito
Ø  Procura-se atacar várias condições relacionadas quando o tratamento da condição primária melhoraria ou resolveria as demais

SUBPRESCRIÇÃO

Ø  Não são prescritos os medicamentos necessários
Ø  A dose é insuficiente
Ø  A duração do tratamento é demasiadamente curta
Fonte: MSH (1997).

O USO INAPROPRIADO DE MEDICAMENTOS PODE TER CONSEQUÊNCIAS COMO:

Eventos adversos, incluindo os letais. Exemplo: uso indevido de antibióticos, autoprescrição ou uso inapropriado de automedicação;

v Eficácia limitada. Exemplo: quando não se obtém o efeito esperado devido ao uso de dose subterapêutica;
v Resistência a antibióticos. Exemplo: o sobreuso ou o uso em doses subterapêuticas;
v Farmacodependência. Exemplo: abuso de certos medicamentos, tais como os tranqüilizantes;
v Risco de infecção. Exemplo: uso inapropriado de injetáveis.

Todos os componentes do ciclo da Assistência Farmacêutica podem e devem contribuir para a promoção do uso racional de medicamentos, o que tentaremos rapidamente exemplificar:

SELEÇÃO E FORMULÁRIO TERAPÊUTICO’:

Orienta as escolhas terapêuticas para medicamentos
eficazes, seguros e custos-efetivos, bem como orienta quanto às abordagens terapêuticas
mais adequadas, inclusive, destacando as situações onde a abordagem não medicamentosa pode ser mais apropriada. No Brasil, foi elaborado o Formulário Terapêutico Nacional, baseado nos medicamentos contidos na Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (Rename) e disponível na Biblioteca Virtual em Saúde.

GERENCIAMENTO DA ASSISTÊNCIA FARMACÊUTICA’:

O bom gerenciamento da Assistência Farmacêutica deve ter como resultado a disponibilidade de medicamentos de qualidade, adquiridos com agilidade satisfatória, baixo preço, armazenados e distribuídos de forma a preservar suas características.

DISPENSAÇÃO E USO’:

Garante o acesso a medicamentos adequadamente envasados e rotulados, o bom entendimento do uso do medicamento pelo paciente, bem como intervém junto ao prescritor ou demais membros da equipe de saúde para assegurar a correta prescrição.

Dessa forma, toda a abordagem contemplada anteriormente nesta obra trata de estratégias para o uso racional de medicamentos, pois este é o fundamento básico da
Assistência Farmacêutica.

Algumas áreas de estudo têm-se consolidado por acarretarem a mobilização de técnicas e conhecimento específicos. Bem utilizadas, podem tornar-se ferramentas importantes para o diagnóstico da realidade, fornecendo subsídios técnicos e gerenciais para a tomada de decisão.

No texto a seguir, trataremos das abordagens mais específicas já mencionadas, compreendidas no campo da farmacoepidemiologia, entre as quais se incluem os estudos de utilização de medicamentos, a farmacovigilância e a farmacoeconomia.

A despeito de todas estas intervenções implicarem em um maior rigor técnico científico e necessitarem, para sua aplicação mais acurada, da participação de pessoal especializado, vários aspectos podem ser implementados sem grandes complicações, permitindo ao gestor local a obtenção de resultados expressivos.

Em um segundo momento, serão abordadas intervenções de promoção do uso racional dirigidas à população em geral, intervenções dirigidas ao prescritor e informação de medicamentos.

REFERÊNCIAS

1. BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria n. 3.916, de 30 de outubro de 1998. Aprova a Politica Nacional de Medicamentos. Brasília, DF. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 10 nov. 1998. n. 215.

2. WORLD HEALTH ORGANIZATION. Report on the 12th Expert Committee on the Selection and Use of Essential Medicines. Geneva, 2002. (Technical Report Series, n.914).

3. BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos. Departamento de Assistência Farmacêutica e Insumos Estratégicos.Relação Nacional de Medicamentos Essenciais: Rename. 7. ed. Brasília: Ministério da Saúde, 2010. 250 p. (Serie B. Textos Básicos de Saúde).

4. LAING, R.; HOGERZEIL, H. V.; ROSS-DEGNAN, D. Ten recommendations to improve use of medicines in developing countries. Health Policy and Planning,Oxford, Inglaterra, v. 16, p. 13-20, 2001.

5. WANNMACHER, L. Medicamentos essenciais: vantagens de trabalhar com este contexto. Uso racional de medicamentos: temas selecionados. Brasília, v. 3, n. 2, jan. 2006.

6. BRASIL. Conselho Nacional de Saúde. Resolução n. 338, maio de 2004. Aprova a Política Nacional de Assistência Farmacêutica, Brasilia, Diário Oficial da União, Poder Executivo, Brasília, DF, 20 maio 2004. Seção I, n. 96.

7. BRASIL. Ministério da Saúde; Organização Pan-Americana de Saúde; Organização Mundial de Saúde. Avaliação da Assistência Farmacêutica no Brasil: Estrutura, Processo e Resultados. Brasília, 2005.

8. BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria n. 3.237, de 24 de dezembro de 2007. Aprova
as normas de execução e de financiamento da assistência farmacêutica na atenção básica em saúde. Diário Oficial da União, Poder Executivo, Brasília, DF, 26 dez. 2007.

9. BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria n. 2.982, de 26 de novembro de 2009. Aprova
as normas de execução e de financiamento da assistência farmacêutica na atenção básica. Diário Oficial da União, Poder Executivo, Brasília, DF, 30 nov. 2009.

10. MARIN, N; LUIZA, V. L.; OSORIO-DE-CASTRO, C. G. S.; SANTOS, S. M. (Orgs.).Assistência farmacêutica para gerentes municipais. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2003.

11. BRASIL. Ministério da Saúde; Organização Pan-Americana da Saude. Avaliação da Assistência Farmacêutica no Brasil. Brasília, 2005. (Serie técnica medicamentos e outros insumos essenciais para a Saúde).

12. BRASIL. Ministério da Saúde. Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde.
Conselho Nacional de Secretários de Saúde. Nota técnica conjunta: qualificação da assistência farmacêutica, de 20 de janeiro de 2008. Brasília, DF, 2008.

13. AGENCIA NACIONAL DE VIGILANCIA SANITARIA. Agencia Nacional de Vigilância de Medicamentos. Brasília, ©2005-2009.

14. SISTEMA NACIONAL DE INFORMACOES TOXICO FARMACOLOGICAS. Sinitox divulga novos dados de intoxicação humana. [S.l.], 2009.

15. CENTRO DE INFORMACOES TOXICOLOGICAS. Estatísticas anuais. Florianópolis,
[2009].

16. PONTES JUNIOR, D. M. A seleção de medicamentos para o monitoramento da qualidade laboratorial no Brasil: articulação entre a vigilância sanitária e a Politica Nacional de Medicamentos. Rio de Janeiro: s.n., 2007. xv, 128 p. Dissertação (Mestrado) – Escola Nacional de Saúde Publica Sergio Arouca, Rio de Janeiro, 2007.

17. WORLD HEALTH ORGANIZATION. Promoting rational use of medicines: core components. WHO Policy Perspectives on Medicines. [S.l.], n. 5; Sep. 2002. 6p. Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos/MS - FTN


FONTE : MINISTÉRIO DA SAÚDE. FORMULÁRIO TERAPÊEUTICO NACIONAL

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