terça-feira, 22 de junho de 2010

FARMÁCIA HOSPITALAR - QUALIDADE DA ASSISTÊNCIA

FARMÁCIA HOSPITALAR - QUALIDADE DA ASSISTÊNCIA



De acordo com o Prof.Dr Mauro da Silva Castro da Universidade Federal do rio Grande do Sul (UFRGS) a qualidade de atenção em saúde é uma condição pela qual passa os serviços de saúde de todos os tipos, ofertados a indivíduos e a população, e aumentam a possibilidade de alcançar os resultados desejados em termos de saúde e, estes, devem ser condizentes com o conhecimento profissional atual (IOM, 1990).

Esta definição foi amplamente aceita e utilizada (Blumenthal, 1996), sendo em seu corpo enfatizado que a alta qualidade de atenção em saúde aumenta a possibilidade de bons resultados.

Entretanto, existe sempre há possibilidade de eventos não esperados acontecerem, mesmo quando o melhor dos esforços forem empreendidos pelos profissionais, no sentido de que os serviços de saúde sejam ofertados objetivando o maior benefício e o menor dano possível.

A medida da qualidade de atendimento requer atenção para três tipos diferentes de problemas de qualidade representados:

• Pelo cuidados excessivos: sendo um dos exemplos característicos o uso excessivo e desnecessário de exames de R-X, bem como de outros exames complementares de alto custo;
• Pelos cuidados escassos: tendo-se como exemplo à não provisão da imunização necessária à população, e a ausência de programas de saúde que podem minimizar aspectos ligados ao processo saúde/ doença;
• Pelo desvio de cuidados, onde ocorrem falhas e erros quanto aos aspectos técnicos e interpessoais dos cuidados de saúde, como por exemplo, a não prevenção de uma interação medicamentosa previsível.

Uma das abordagens muito utilizada para mensurar qualidade em saúde ainda é a preconizada por Avedis Donabedian (1966, 1982), que descreve a necessidade de se verificar o somatório de estrutura vista como a capacidade de prover alta qualidade de cuidados, processos (muitas vezes chamado de desempenho) e resultados.

Entretanto, alguns avanços na área da mensuração da qualidade, bem como no que tange a refinamentos metodológicos, foram desenvolvidos nos últimos anos. Exemplos de tipos de medidas, métodos e sua utilização no aperfeiçoamento de programas de qualidade foram apresentados em 1996 pelo IOM, em uma conferência intitulada “Measuring the Quality of Health Care - State of the Art” (IOM, 1996). Um dos aspectos salientados foi à medida de erros que ocorrem na organização, principalmente na administração de medicamentos, sendo aconselhável que as organizações identifiquem como cada erro ocorre e como fazer para preveni-los (IOM, 1999a).

Em junho de 1998 o IOM criou o projeto Quality of Health Care in America (IOM, 1999b), com o encargo de desenvolver estratégias que resultem na melhoria da qualidade em saúde para os próximos dez anos. O Quality of Health Care in America Committee (QHCAC) apresentou seu primeiro relatório em novembro de 1999, intitulado “To err is human: building a safer health system”, causando grande preocupação entre profissionais da saúde (Chataran, 1999; Woods, 2000) em nível governamental.

As análises do QHCAC levaram a estimar que, pelo menos, 44.000 norte americanos morrem anualmente em decorrência de erros de medicação, havendo outras estimativas que alcançam o patamar de 98.000 óbitos/ano. Quanto aos custos envolvidos, as estimativas são de que os eventos adversos preveníveis, respondem por gastos na faixa de U$ 17 bilhões e U$ 29 bilhões (IOM, 1999b).

Para o QHCAC erro é a falha ocorrida numa ação planejada ao ser completada como desejada ou o uso de um plano inadequado para alcançar um objetivo. Portanto, erro depende de dois tipos de falhas: ação não processada como foi intencionado (erro de execução) ou a ação originalmente planejada de forma incorreta (erro de planejamento) (IOM, 1999b). A ocorrência de erros em saúde pode acontecer em todo o processo de cuidados de saúde: diagnóstico, prevenção e tratamento. Os resultados de erros não implicam necessariamente dano e, além disso, erros podem ser considerados como eventos adversos presumíveis. Então, a utilização de mecanismos para a prevenção de erros leva ao primeiro passo para a melhora da qualidade assistencial - a segurança do paciente (IOM, 1999b; JCAHO, 2000).

Desta forma, a construção da segurança no processo de cuidados é muito mais efetiva, como método para a redução de erros, do que imputar culpa aos indivíduos por seus atos. O enfoque deve ser mudado, daquele do passado que preconizava punir indivíduos, para o que previne futuros erros por meio de projetos de segurança em sistemas (IOM, 1999b; ASHP, 1993; JCAHO, 2000).

Esta nova abordagem não exime o indivíduo de suas responsabilidades, da necessidade de ser cuidadoso em seus atos, mas leva em consideração o fator humano, ou seja, em sua dimensão humana o profissional pode errar (ato não intencional e passível de ser prevenido). A luz dos conhecimentos relativos a construção da segurança empreendida na aviação, propõe-se, então, a utilização de técnicas denominadas de Engenharia do Fator Humano, onde a melhoria dos processos são consideradas como o principal fator para aumentar a qualidade e a segurança em saúde (IOM, 1999b; Ohio State University, 2000).

A Joint Commission on Accreditation of Healthcare Organizations trabalha atualmente no estabelecimento de programas de segurança para pacientes em organizações acreditadas, que podem vir a ser fundamentados nos padrões que estão sendo estabelecidos pela Joint Commission Standards in Support of Medical/Health Care Error Reduction Programs in Accreditted Organizations (JCAHO, 2000). Estes padrões deverão integrar o Comprehensive Accreditation Manual for Hospitals.

Em seus estudos estabelece que erro é um ato não intencional, também por omissão ou delegação, ou um ato que não conseguiu o resultado esperado. Também sustenta, entre várias ações, que um programa deste tipo deve definir os mecanismos que respondam pela ocorrência dos erros. Por exemplo, por meio da análise das causas de origem de eventos sentinela ou pela condução de atividades pró-ativas que busquem a redução de riscos.

Em um dos padrões assinalados (PI.4.3) recomenda-se que seja realizada análise intensiva dos eventos sentinela e tendências ou padrões indesejados de desempenho quando ocorram. No que se refere ao monitoramento do desempenho de processos clínicos, certos eventos sempre provocam análise intensiva, tais como:

• Confirmação de reações transfusionais;
• Reações adversas importantes e erros de medicação importantes, “close calls e condições de risco .

Também, na busca da melhor identificação das causas dos erros de medicação, foram implantados dois programas para comunicação destes erros:

• MER Program - United State Pharmacopoeia Medication Error Reporting
• MedWatch - U.S. Food and Drug Administration’s MedWatch Reporting Program.

Como são programas onde se pode comunicar anonimamente os eventos, desta forma, assegurou-se a preservação do estudo das causas dos erros de medicação, frente ao medo de atitudes punitivas (IOM, 1999b; JCAHO, 2000; NNC MERP, 1998).

O processo de medicar um paciente inclui prescrição; comunicação de ordens sobre cuidados de saúde; rotulação de produtos, embalagem e nomenclatura; manipulação ou produção de produtos farmacêuticos; dispensação; distribuição; administração; educação; monitoramento do processo e utilização do medicamento (ASCP, 1997). Além do sistema acima exposto, nele estão incluídas as práticas profissionais, produtos de saúde e procedimentos.

Erros de medicação são considerados como qualquer evento previsível que pode levar ou causar o uso inapropriado de medicamentos ou dano a pacientes, quando o medicamento está sob controle de profissionais da saúde, pacientes ou consumidores (ASCP, 1997; NCC MERP, 1998-1999).

Os resultados ou a importância clínica de muitos erros de medicação podem ser mínimos, com poucas ou nenhumas consequência adversa que afetem pacientes. Entretanto, alguns erros resultam em grave morbidade ou mesmo mortalidade de pacientes (ASHP, 1993; IOM, 1999b). Some-se a isto as condições de “near miss” e “close call” destes acontecimentos.

Uma melhor abordagem destes fatores pode ser obtida ao levar-se em consideração o Fator Humano, possibilitando a distinção em erros ativos e erros latentes (IOM, 1999b). Erros ativos ocorrem em nível de atendimento direto ao paciente e seus efeitos são sentidos quase imediatamente. Erros latentes podem ser removidos pelo controle direto e adequado do operador e incluem fatos como projeto inadequado, instalações incorretas, manutenção defeituosa, má tomada de decisão e impropriedades na estrutura organizacional.

Erros latentes causam grande perigo para a segurança de um sistema complexo como o de medicarem pacientes, porque erros podem não ser reconhecido e possuem a capacidade de resultar em múltiplos tipos de erros ativos. Portanto, mesmo que em sua maioria, os resultados destes eventos sejam pouco danosos aos pacientes, grande é a importância de sua identificação e prevenção.

O Instituto de Medicina (IOM, 199b; Kohn, 2001) propõe como plano para a redução dos erros em atendimento de saúde as seguintes questões:

• Promover o surgimento de lideranças na área em ela e criar centros de estudo e pesquisa sobre segurança de pacientes, que pode ter como modelo alguns programas já desenvolvidos pela indústria;
• Desenvolver mecanismos para a comunicação dos erros, visando aprender com e sobre os mesmos. A reunião de dados sobre erros é fundamental para sua compreensão e para melhorar o desempenho frente aos mesmos;
• Estabelecer processos padrões que sejam explícitos, conhecidos e utilizáveis por todos profissionais da saúde que proporcionam cuidados de saúde. Estes padrões podem suprir as expectativas quanto a segurança de pacientes, visto demonstrarem sua importância;
• Apoiar e incentivar as organizações de saúde para que implantem, por elas mesmas, melhorias nesta área. O fundamental seria criar nas organizações uma cultura voltada à segurança.

Segundo Kohn (2001), para implantar todo este plano é necessário preparar líderes sobre a área em tela, desenhar cargos e funções dos recursos humanos da área de saúde tendo em mente segurança, promover a integração de equipes multiprofissionais que trabalhem com este enfoque, esperar o inesperado e planejar para melhor segundo esta situação e, principalmente, criar um ambiente de aprendizagem sobre o tema.

Para construir um sistema de saúde seguro, no tocante a farmácia, Schneider (2001) propõe que se deve:

• Estabelecer uma estrutura administrativa que vise otimizar o sistema de uso de medicamentos, onde é primordial a interdisciplinaridade, requerendo a colaboração de todos. De certa forma, a estrutura administrativa pretendida deve-se opor àquela que somente busca a cobrança dos custos de pacientes.
• Ajudar a criar um ambiente voltado para a melhora da qualidade. Atualmente este ambiente não existe devido a preponderância da visão punitiva dos atos considerados errados. A avaliação de desempenho penaliza os recursos humanos que cometem descuidos. Como então esperar que estas mesmas pessoas comuniquem seus atos errôneos e contribuam na busca da segurança para pacientes? Somente com uma mudança de atitudes dentro de um processo de educação para a melhora da qualidade (Ryan, 1999; IOM 1999b);
• Implantar boas práticas dentro do sistema de medicação de pacientes. Algumas destas práticas estão publicadas pela American Society of Health-System Pharmacists, pelo Institute for Safe Medication Practices, pelo Institute for Healthcare Improvemente, USP e IOM. As práticas recomendadas pelo IOM são:
• Desenvolver programa de comunicação voluntária de eventos adversos e “near misses”,
• Implantar sistema de prescrição por meio eletrônico;
• Utilizar o sistema de distribuição de medicamentos por dose unitária;
• Não concentrar estoques de medicamentos nas áreas de cuidado de pacientes;
• Incluir farmacêuticos nas discussões terapêuticas (rounds);
• Usar a tecnologia de código de barras;
• Identificar por meio de pulseira cada paciente e checar a identidade do mesmo frente a cada ato.
• Medir o desempenho do sistema de medicação, visando identificar pontos que necessitam de mudanças, bem como a própria qualidade do sistema;
• Testar propostas que tenham potencial para otimizar o sistema de medicação, pois a utilização de boas práticas associadas a um bom sistema de medida da qualidade do sistema, pode propiciar o desenvolvimento contínuo de melhorias.

No Brasil pouco se sabe sobre os erros de medicação e, primariamente, pouco se sabe sobre a própria atuação de nossas farmácias hospitalares. Outros países realizam enquête sobre esta área, estando a mesma vinculada a ações de sociedades científicas (ASHP,1999) ou a conjugação de esforços entre governo e as mesmas (INSALUD, 1998).

Várias ações foram desencadeadas em nosso país no tocante a esta área mas, todas elas fora de um planejamento que estivesse inserido dentro de um projeto nacional de assistência a saúde. Para tanto, faz-se necessário, em primeiro lugar, diagnosticar a condição (estrutura) em que são realizados os atos farmacêuticos e como (processos) esses são executados.

Somente a partir deste diagnóstico pode-se pensar em planejar as modificações necessárias neste campo, que, provavelmente, vão desembocar em medidas como o estabelecimento de padrões mínimos de atuação desejados para um hospital, qual o perfil de profissional que as faculdades de farmácia deverão formar, qual o enfoque que cursos de educação continuada devem ser realizados e, principalmente, diagnosticar, pelo conhecimento da estrutura e dos processos usados nas farmácias hospitalares brasileiras, a provável existência ou não de erros de medicação tão lesivos aos pacientes e ao próprio Sistema Único de Saúde.

Como podemos verificar tanto questões técnicas como administrativas sempre estão envolvidos com a qualidade da prestação do serviço em farmácia hospitalar, os que nos remete a necessidade de entender e preencher um espaço vazio representado muitas vezes pela ausência de conhecimentos mais aprofundados sobre a área de administração em saúde. Em muitos casos temos técnicos competentes em farmácias hospitalares, mas que carecem de conhecimentos específicos sobre a área de administração. Além disso, com a criação de numerosos cursos de graduação em farmácia no Estado do Rio de Janeiro e em outros Estados da Federação inicia-se um processo complicado que tem ligação com a formação adequada dos novos profissionais que irão ocupar espaço no mercado de trabalho. Para tanto. Acreditamos ser necessário disponibilizar o máximo de literatura sobre o assunto para contribuir para a formação dos novos profissionais e reciclagem de outros que estão em atividade.

Referência


  • Prof.Dr Mauro da Silva Castro da Universidade Federal do rio Grande do Sul (UFRGS)

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