quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

A CONSTRUÇÃO DA ASSISTÊNCIA FARMACÊUTICA NO BRASIL

A CONSTRUÇÃO DA ASSISTÊNCIA FARMACÊUTICA NO BRASIL



Por Luciane Cruz Lopes

Em 1998 foi criada a Política Nacional de Medicamentos no Brasil (PNM), com a intenção de ampliar a oferta de medicamentos eficazes, seguros e de qualidade, promovendo o seu uso racional e aumentando o acesso da população aqueles considerados indispensáveis. Uma das quatro prioridades da PNM e revisar Permanentemente a Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (Rename), com base nas prioridades nacionais de saúde tendo em conta eficácia terapêutica, segurança, comodidade e custo.

Os medicamentos essenciais constituem um dos principais instrumentos para a realização de efetiva política de medicamentos, e são definidos pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como aqueles que servem para satisfazer às necessidades de atenção a saúde da maioria da população.

A Rename 2010 e suas edições anteriores foram elaboradas pela Comissão Técnica e Multidisciplinar de Atualização da Rename (Comare) atendendo recomendações da OMS. Assim, todos os medicamentos considerados básicos e indispensáveis para atender a maioria dos problemas de saúde da população são parte integrante da Rename 2010. Usados no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) e mesmo fora dele, servem como base para a aquisição, prescrição e dispensarão de medicamentos no setor publico, bem como de orientação para a elaboração de listas estaduais e municipais de medicamentos essenciais. A Rename 2010 contém 343 fármacos, oito produtos correspondentes a fármacos, 33 imunoterápicos, designados por 372 denominações comuns brasileiras, contidos em 574 apresentações farmacêuticas.

A existência de uma política nacional de medicamentos e considerada, pela OMS, importante instrumento para a Assistência Farmacêutica e para toda a política de saúde. Trabalhar com o conceito de medicamento essencial e uma lista de medicamentos essenciais selecionados por critérios com base em provas cientificas faz parte das dez recomendações que melhoram o uso de medicamentos em países em desenvolvimento. Em verdade, políticas de medicamentos essenciais promovem disponibilidade, acesso, qualidade e uso racional de medicamentos, garantindo a sustentação do próprio desenvolvimento da política, e a chave para isso esta na cuidadosa seleção de medicamentos essenciais.

Portanto, o desenvolvimento da PNM foi responsável por avanços na política de saúde, sobretudo no que se refere a reorientação da assistência farmacêutica no pais. Em maio de 2004, o Conselho Nacional de Saúde aprovou a Política Nacional de Assistência Farmacêutica (PNAF) e esta passou a ter importância relevante para o atendimento no SUS. Segundo a PNAF, a Assistência Farmacêutica e definida como o:
Ø  Conjunto de ações desenvolvidas pelo farmacêutico, e outros profissionais de saúde, voltadas à promoção, proteção e recuperação da saúde, tanto no nível individual como coletivo, tendo o medicamento como insumo essencial e visando o acesso e o seu uso racional. Envolve a pesquisa, o desenvolvimento e a produção de medicamentos e insumos, bem como a sua seleção, programação, aquisição, distribuição, dispensarão, garantia da qualidade dos produtos e serviços, acompanhamento e avaliação de sua utilização, na perspectiva da obtenção de resultados concretos e da melhoria da qualidade de vida da população.

Compete ao Departamento de Assistência Farmacêutica e Insumos Estratégicos (DAF), da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos (SCTIE) do Ministério da Saúde, a formulação e coordenação da gestão da PNAF; desenvolver cooperação para o aperfeiçoamento da capacidade gerencial e operacional de Estados e Municípios bem como normatizar, organizar, promover e coordenar a aquisição e distribuição de insumos estratégicos para a saúde e a Assistência Farmacêutica, nos diferentes níveis de atenção a saúde, entre outros.

Com o foco no acesso a medicamentos, o DAF nos últimos anos acompanha a organização e o desenvolvimento da Assistência Farmacêutica no SUS, por meio de providências administrativas. Uma delas foi a ampliação do financiamento para aquisição e distribuição de medicamentos para a atenção básica.

As Portarias GM 3.237/2007 e GM 2.982/2009 contem as normas de financiamento
e de execução do Componente Básico do Bloco de Financiamento da Assistência Farmacêutica, com base na Rename vigente, o que significa que este documento passa também a constituir-se lista de pacto no SUS, quanto ao componente básico, alem de instrumento orientador da construção das listas locais.

Não obstante esses avanços técnico-administrativos, a Assistência Farmacêutica ainda apresenta muitos problemas a serem superados. Por exemplo, estrutura e gestão insuficientes, ausência de informações ou informações não confiáveis, difícil atendimento da demanda gerada por estados e municípios e de manutenção precária de estoques dos medicamentos, dificultando, assim, o acesso. Organizar um serviço nacional de tamanha envergadura exige grande esforço, preparação técnica e determinação. Para que prescritores, dispensadores, administradores, com a colaboração de usuários de medicamentos, possam atuar efetivamente na promoção do uso racional de medicamentos, muitas atividades, projetos e programas devem ser desenvolvidos.

Alguns dados permitem entender os problemas enfrentados pela Assistência Farmacêutica em um país em desenvolvimento. Em 2009 havia 66.524 apresentações comerciais, correspondentes a 8.000 marcas de medicamentos para 2.000 princípios ativos e, ate junho de 2009, a Anvisa tinha registrado 403 produtos
biológicos, 200 homeopáticos, 512 fitoterápicos, 7.952 medicamentos similares, 1.457 medicamentos novos e 2.730 medicamentos genericos. Nesse cenário, acrescem-se problemas complexos que podem se resumir principalmente em administrar ações judiciais relacionadas à solicitação de medicamentos, elaboração
de listas municipais e estaduais sem os rigorosos critérios estabelecidos pela OMS, alem da medicalização da saúde.

Utilizados de maneira inadequada tornam-se importante problema de saúde pública, gerando conseqüências econômicas e sanitárias. Vale citar aumento do custo do tratamento de determinada doença; exposição da população a reações adversas; perda de sua eficácia; resistência de microrganismos principalmente a antibióticos; dependência química e psicológica; risco de aumento de infecções e intoxicações farmacológicas.
Dados provenientes de Centros de Informação e Assistência Toxicológicas relativos a 2007 e 2008 mostram que em 30% dos registros, produtos farmacêuticos são o principal agente envolvido.

Dados provenientes do sitio eletrônico do Centro de Informações Toxicológicas (CIT/SC) entre os anos de 1994 a 2006, verificam-se registrados 14.312 casos de intoxicação por medicamentos, dos quais 1.335 (9,3%) foram provocadas por erro de medicação. Destes, 1.071 (80%) casos ocorreram por erro de administração e 264 casos devido à prescrição médica inadequada e conseqüentemente dispensarão e administração inadequada.

Desta forma, varias circunstancias podem levar a um quadro de intoxicação por medicamentos: acidentes, tentativas de auto-extermines, tentativa de aborto, automedicação, erro de administração, prescrição medica inadequada e abuso, entre outras.

Os medicamentos têm características definidas na pratica de saúde e são reconhecidos como meio eficaz para diagnosticar e/ou enfrentar doenças e promover a saúde, sendo seu uso consolidado pelo resultado histórico de seu emprego no tratamento de numerosas enfermidades16. No entanto, a multiplicidade
de produtos farmacêuticos disponíveis, a freqüência de novas descobertas farmacológicas, as pressões exercidas pela industria farmacêutica, pela mídia e por pacientes tornam difícil aos profissionais de saúde manterem-se atualizados e procederem de forma prudente quanto a escolha do melhor tratamento. Tal processo traz implicações que oneram indivíduos, instituições e os serviços de saúde.

A informação fidedigna e isenta sobre medicamentos e a educação de seus usuários faz parte das intervenções recomendadas pela OMS para a promoção do uso racional.

A qualidade da informação e tão importante quanto a do medicamento. Atualmente,
não ha falta de informação e sim de habilidade para selecionar aquela que e útil, imparcial e confiável. Existem diferenças importantes entre publicidade de produtos com interesses comerciais e difusão de informações cientifica com base em evidencias. Desta forma, alem de saber selecionar o material de qualidade, o profissional de saúde deve ter suficiente conhecimento de inglês e espanhol para utilizar convenientemente fontes importantes de informações.

As informações prestadas sobre medicamentos e tratamentos devem ser precisas, atualizadas, obtidas de fontes independentes, em linguagem de fácil compreensão a todos os profissionais de saúde e aos usuários com o propósito de aumentar a efetividade do tratamento e a adesão, permitindo fácil prescrição, dispensação, uso e acompanhamento.

Praticamente todos os países com política nacional de uso de medicamentos possuem um formulário terapêutico. Alguns são respeitados em todo lugar e podem ser facilmente consultados. Destaca-se o WHO Model Formulary (WMF), lançado em 2002, atualizado em 2004, 2006 e 2008, tendo sido recém--lançado o WHO Model Formulary for Children (WMFC) em marco 2010.

O principal propósito do WMF e prover informação geral e especifica sobre o que consta na lista de medicamentos essenciais da OMS.
Outro importante formulário e o British National Fomulary (BNF), criado nos anos 1960 e no numero 60 (setembro de 2010), alem do British National Formulary for Children (BNFc), lançado ha poucos anos. Alguns países latinos americanos já produzem seus formulários e os atualizam periodicamente: e o caso da Chile (1967), Argentina (1977), Cuba (1987) e Peru, entre outros.

Em 2008, pela primeira vez no pais, surgiu o Formulário Terapêutico Nacional, elaborado com base na Rename 2006. Neste momento, 2010, ocorre sua primeira atualização. Elaborado por uma subcomissão da Comare, formada principalmente por membros representantes de CIM (centro de informações de medicamentos), o FTN do Brasil utilizou-se das melhores fontes cientificas para A sistematização das informações nele contidas. Com o propósito de orientar prescritores e demais profissionais do cuidado a saúde, no exercício profissional no tocante a utilização racional dos medicamentos, o FTN contem informações precisas e objetivas sobre indicações terapêuticas, contra-indexações, precauções, efeitos adversos, interações, esquemas e cuidados de administração, orientação ao paciente, formas e apresentações disponíveis comercialmente, alem de aspectos farmacêuticos dos medicamentos selecionados.

Entende-se que a Política Nacional de Medicamentos e a Política Nacional de Assistência Farmacêutica estabeleceram fortes estratégias para permitir o acesso e uso racional de medicamentos a todos os cidadãos.

Cabe aos profissionais de saúde apropriar-se das informações aqui dispostas para, com responsabilidade e compromisso não são atenderem melhor aos pacientes como tornarem-se agentes da política de uso racional de medicamentos.

Fonte

MINISTÉRIO DA SAÚDE, Formulário Terapêutico Nacional, Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos/MS – FTN, Brasília, DF – 2010

Referências

1. BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria n. 3.916, de 30 de outubro de 1998. Aprova
a Política Nacional de Medicamentos. Brasília, DF. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 10 nov. 1998. n. 215.

2. WORLD HEALTH ORGANIZATION. Report on the 12th Expert Committee on the
Selection and Use of Essential Medicines. Geneva, 2002. (Technical Report Series, .
914).

3. BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos. Departamento de Assistência Farmacêutica e Insumos Estratégicos. Relação Nacional de Medicamentos Essenciais: Rename. 7. ed. Brasília: Ministério da Saúde, 2010. 250 p. (Serie B. Textos Básicos de Saúde).

4. LAING, R.; HOGERZEIL, H. V.; ROSS-DEGNAN, D. Ten recommendations to improve use of medicines in developing countries. Health Policy and Planning, Oxford, Inglaterra, v. 16, p. 13-20, 2001.

5. WANNMACHER, L. Medicamentos essenciais: vantagens de trabalhar com este
contexto. Uso racional de medicamentos: temas selecionados. Brasília, v. 3, n. 2, jan. 2006.

6. BRASIL. Conselho Nacional de Saúde. Resolução n. 338, maio de 2004. Aprova a
Política Nacional de Assistência Farmacêutica, Brasília, Diário Oficial da União, Poder Executivo, Brasília, DF, 20 maio 2004. Seção I, n. 96.

7. BRASIL. Ministério da Saúde; Organização Pan-Americana de Saúde; Organização Mundial de Saúde. Avaliação da Assistência Farmacêutica no Brasil: Estrutura, Processo e Resultados. Brasília, 2005.

8. BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria n. 3.237, de 24 de dezembro de 2007. Aprova as normas de execução e de financiamento da assistência farmacêutica na atenção básica em saúde. Diário Oficial da União, Poder Executivo, Brasília, DF, 26 dez. 2007.

9. BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria n. 2.982, de 26 de novembro de 2009. Aprova as normas de execução e de financiamento da assistência farmacêutica na atenção básica. Diário Oficial da União, Poder Executivo, Brasília, DF, 30 nov. 2009.

10. MARIN, N; LUIZA, V. L.; OSORIO-DE-CASTRO, C. G. S.; SANTOS, S. M. (Orgs.).Assistência farmacêutica para gerentes municipais. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2003.

11. BRASIL. Ministério da Saúde; Organização Pan-Americana da Saúde. Avaliação da Assistência Farmacêutica no Brasil. Brasília, 2005. (Serie técnica medicamentos e outros insumos essenciais para a Saúde).

12. BRASIL. Ministério da Saúde. Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde. Conselho Nacional de Secretários de Saúde. Nota técnica conjunta: qualificação da assistência farmacêutica, de 20 de janeiro de 2008. Brasília, DF, 2008.

13. AGENCIA NACIONAL DE VIGILANCIA SANITARIA. Agencia Nacional de Vigilância de Medicamentos. Brasília, ©2005-2009. Disponível em: <http//:portal.
anvisa.gov.br>.

14. SISTEMA NACIONAL DE INFORMACOES TOXICO FARMACOLOGICAS. Sinitox divulga novos dados de intoxicação humana. [S.l.], 2009. Disponivel em:http://ambientedomeio.com/2009/06/15/sinitox-divulga-novos-dados-deintoxicação- humana>. Acesso em: 29 out. 2010.

15. CENTRO DE INFORMACOES TOXICOLOGICAS. Estatisticas anuais. Florianopolis, [2009]. Disponivel em: http://www.cit.sc.gov.br/index.php?p=estatisticas_anuais>.Acesso em: 29 out. 2010.

16. PONTES JUNIOR, D. M. A seleção de medicamentos para o monitoramento da
qualidade laboratorial no Brasil: articulação entre a vigilancia sanitaria e a Politica Nacional de Medicamentos. Rio de Janeiro: s.n., 2007. xv, 128 p. Dissertação (Mestrado) – Escola Nacional de Saude Publica Sergio Arouca, Rio de Janeiro, 2007.

17. WORLD HEALTH ORGANIZATION. Promoting rational use of medicines: core
components. WHO Policy Perspectives on Medicines. [S.l.], n. 5; Sep. 2002. 6p. Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos/MS - FTN

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