terça-feira, 22 de junho de 2010

POLÍTICA DE MEDICAMENTO - MEDICAMENTOS ÓRFÃOS

POLÍTICA DE MEDICAMENTO - MEDICAMENTOS ÓRFÃOS



Nas últimas décadas, a medicina e a investigação terapêutica obtiveram progressos substanciais que levaram à diminuição da mortalidade, ao aumento da perspectiva de vida e à erradicação de determinadas doenças.

Subsistem, no entanto, algumas doenças para as quais não há terapêutica satisfatória nem diagnóstico, prevenção e outras formas de tratamento, quer doenças prevalecentes e bem conhecidas, quer uma série de doenças que afetam apenas um número restrito de doentes. Foram identificadas cerca de 5.000 doenças deste segundo tipo (European Commission, 1998).

O problema dos medicamentos órfãos é uma das questões mais interessantes ligadas a medicamentos. A decisão das indústrias farmacêuticas na pesquisa e comercialização de produtos é influenciada pela demanda de determinadas doenças e principalmente o mercado potencial. Assim, concentram sua produção em determinadas linhas e retiram do mercado drogas de pouco consumo utilizadas em doenças raras, de muito pouco retorno ou de preço controlado pelo governo, por ser seu maior comprador (caso das doenças endêmicas). Esta decisão independe do sucesso do medicamento para determinadas doenças, mesmo devolvendo aos pacientes qualidade de vida e condições de participação na sociedade.

Caso conhecido é o da Penicilamina, importante e decisiva no tratamento da Doença de Wilson(3), cujos fabricantes retiraram do mercado, só retornando após denúncia da imprensa e descoberta de seu uso em muitas outras doenças (Landmann, 1986). Podem ser citadas, ainda, a Sulfasalazina e a Toxina Tipo A do Clostridium botulinum.

Alguns medicamentos que se enquadram neste problema constam da relação de medicamentos excepcionais, no Brasil, exatamente para se garantir seu acesso pelos pacientes portadores de doenças raras.

O termo medicamentos órfãos foi usado pela primeira vez em 1968 para descrever drogas potencialmente úteis, não disponíveis no mercado. Sua exploração não é considerada lucrativa por várias razões, como dificuldades de produção ou porque são destinadas ao tratamento de doenças raras (Chirac et al., 1999).

A palavra "órfão" apareceu inicialmente na literatura médica em referência ao uso de medicamentos de adultos em crianças (Basara & Montagne,1994).

Nos Estados Unidos da América foi criado, em 1982, o OOPD (Office of Orphan Products Developement), ligado à Food and Drug Administration-FDA, e foi instituído em 1983 (Public Law 97-414, de 04/01/83) um sistema de promoção do desenvolvimento de medicamentos órfãos, o Orphan Drug Act (ODA). Emendas adicionais foram passadas pelo Congresso em 1984, 1985 e 1988. Inicialmente foi usado critério econômico para designação de produto órfão e, em 1984, se acrescentou o critério epidemiológico (FDA, 2000b).

O uso do termo "órfão" em produto, medicamento, droga ou doença não aparecia no texto da lei; com a Emenda o ODA passou a definir um medicamento órfão como um medicamento ou produto biológico para o diagnóstico, tratamento ou prevenção de uma doença ou condição rara. Uma doença ou condição rara, nos Estados Unidos da América, significa "qualquer doença ou condição que afeta menos de 200.000 pessoas ou afeta mais de 200.000, mas para a qual não há expectativa razoável que o custo de desenvolvimento e fabricação do medicamento disponibilizado seja recuperado das vendas daqueles medicamentos, nos Estados Unidos" (FDA, 2000c; Basara & Montagne, 1994).

Desde que foi criado, o OOPD tem promovido o desenvolvimento de produtos que se mostram promissores para o diagnóstico ou tratamento de doenças ou condições raras. Para localizar alguns produtos, o OOPD atua junto às comunidades médicas e de pesquisa, organizações profissionais, universidades e indústria farmacêutica, assim como grupos de doenças raras. O OOPD administra os maiores recursos do ODA que provê incentivos a patrocinadores para desenvolver produtos para doenças raras. O ODA tem tido muito sucesso - 194 medicamentos e produtos biológicos para doenças raras foram autorizados a entrar no mercado desde 1983. Em contraste, a década anterior a 1983 viu menos que 10 produtos semelhantes serem fabricados. O OOPD administra, ainda, o Orphan Products Grants Program, que provê fundos para pesquisa clínica em doenças raras (FDA, 2000a).

O OOPD oferece várias informações que incluem uma avaliação do programa de medicamentos órfãos da FDA, uma breve descrição do programa de concessão dos produtos órfãos e uma lista atual dos produtos designados órfãos.

Todos os medicamentos denominados órfãos recebem um crédito fiscal federal igual a 50% das despesas com a investigação clínica, isenção da taxa cobrada nos pedidos de autorização junto à FDA e o primeiro medicamento autorizado para uma indicação específica recebe um período de exclusividade de comercialização de sete anos. O Congresso também atribui cerca de 20 milhões de dólares à FDA como subsídios destinados a esses medicamentos (European Commission, 1998).

Até 1998, o status de medicamento órfão foi atribuído a 837 medicamentos, dos quais 323 se beneficiaram do programa de subsídios. Havia 152 medicamentos no mercado sendo usados por 7 milhões de doentes.

O sucesso do programa americano de medicamentos órfãos incentivou muitos países estrangeiros a replicá-lo. Foi introduzido um regime análogo no Japão, em 1995, em Cingapura, em 1997, e na Austrália, em 1998 (Trouiller, 1999; European Comission, 1998).

Geralmente são utilizados dois critérios para a atribuição do status de medicamento órfão, um de caráter epidemiológico (prevalência ou incidência da doença em questão numa dada população) e outro de caráter econômico (presunção de não rentabilidade do medicamento destinado à terapêutica da doença em questão). Estes critérios não são necessariamente exclusivos, portanto, podem ser associados.

De acordo com a Comissão Européia os critérios epidemiológicos apresentam vantagens, pois permitem uma avaliação mais objetiva que os critérios econômicos. A avaliação da possibilidade de rentabilidade dos investimentos efetuados com vista ao desenvolvimento de um medicamento muitos anos antes da sua efetiva comercialização comporta claramente um componente especulativo importante.

Nos Estados Unidos da América foi adotado inicialmente um critério econômico. Dado o fracasso deste regime, o Congresso alterou o ODA, em 1984, e introduziu um critério epidemiológico. Todas as designações concedidas nos Estados Unidos da América entre 1984 e 1992 se fizeram apenas com base no critério epidemiológico. A única objeção em relação à utilização de critérios epidemiológicos se baseia na observação de que alguns dos medicamentos designados órfãos se revelaram posteriormente (muito) rentáveis (cerca de 1%).

Na Europa é considerada como baixa uma prevalência em toda a população comunitária inferior a 5 por 10.000. Importante destacar que esta prevalência é inferior à utilizada nos Estados Unidos (equivalente a 7,5 por 10.000) e ligeiramente superior à utilizada no Japão (equivalente a 4 por 10.000). A prevalência é determinada de forma que os medicamentos destinados à prevenção ou tratamento de doenças muito freqüentes no terceiro mundo (como as doenças tropicais), mas pouco freqüentes na Comunidade, sejam igualmente contempladas (European Commission, 1998).

Recentemente, em 22 de janeiro de 2000, foi publicado no Official Journal of the European Communities o Regulamento (CE) nº141/2000, de 16/12/99, relativo aos medicamentos órfãos, adotado pelo Parlamento Europeu e o Conselho da União Européia.

O objetivo desse regulamento é instituir um procedimento comunitário de designação de certos medicamentos como medicamentos órfãos e a criação de incentivos à pesquisa, desenvolvimento e introdução no mercado desses medicamentos.

Foram definidos, para a união européia, como "medicamentos órfãos" aqueles medicamentos de uso humano, utilizados no diagnóstico, prevenção ou tratamento de doenças raras, cujos volumes de vendas previstos não cobririam os custos do desenvolvimento e comercialização, não sendo, portanto, do interesse das indústrias farmacêuticas em condições normais de mercado.

Várias considerações foram importantes para estabelecer o regulamento, entre elas, o direito dos portadores de doenças raras à terapêutica de qualidade ser igual ao de outros doentes e as experiências dos Estados Unidos da América e do Japão. Os critérios estabelecidos devem ser objetivos e devem, ainda, se basear na prevalência da patologia objeto de diagnóstico, prevenção ou tratamento, e os medicamentos destinados a patologias que ponham a vida em perigo, sejam gravemente debilitantes ou sejam graves e crônicas, ainda que a prevalência seja superior a 5 casos por 10 mil pessoas.

Foi definida, ainda, a criação de um comitê composto por peritos nomeados pelos Estados-membros para analisar os pedidos de designação; três representantes das associações de doentes, a nomear pela comissão, e três outras pessoas nomeadas igualmente pela comissão após recomendação da Agência Européia de Avaliação dos Medicamentos. Os membros do comitê são nomeados por um período renovável de três anos. A Agência será responsável pela coordenação adequada entre o Comitê dos Medicamentos Órfãos (nomeado em abril/2000) e o Comitê das Especialidades Farmacêuticas (European Commission, 2000).

Para facilitar a concessão ou a manutenção da autorização comunitária, será suprimida, pelo menos, uma parte da taxa cobrada pela agência; o orçamento comunitário deve compensar a agência em relação à conseqüente diminuição de receitas.

Os promotores de medicamentos órfãos poderão usufruir plenamente de todos os incentivos concedidos pela Comunidade ou pelos Estados-membros com vista ao apoio à investigação e desenvolvimento de medicamentos destinados ao diagnóstico, prevenção ou terapêutica de doenças raras, e está prevista, também, a obtenção de exclusividade de mercado por alguns anos.

As doenças raras foram apontadas como área prioritária de ação comunitária no âmbito das ações da saúde pública (European Union, 2000).

O Brasil, em vez da esperada transição epidemiológica, onde as doenças crônico-degenerativas substituíram as antigas epidemias, apresenta um quadro em que coexistem as "velhas e as "novas" doenças. Assistimos hoje à urbanização da malária, em capitais da região Norte, à disseminação da dengue em diversos estados e à reintrodução da cólera em 1991, ao lado da permanência da hanseníase e da tuberculose. E, ao mesmo tempo, o crescimento assustador das mortes por acidente de trânsito e homicídios, aumento da mortalidade por algumas doenças neoplásicas, cardiovasculares e crescimento da AIDS (Duchiade, 1995: 15).

Para compreender o que ocorre hoje é preciso buscar algumas explicações nas transformações sofridas pela população brasileira, é necessário distinguir as múltiplas realidades, os vários Brasis (ibid.).

A queda nos níveis de mortalidade, principalmente mortalidade infantil, teve como conseqüência aumento na esperança de vida ao nascer. O surgimento de novas tecnologias médicas no diagnóstico de doenças, descobertas na área biotecnológica, e de novas terapias, tem trazido perspectivas de tratamento para doenças raras e genéticas até então sem esperanças para seus portadores. Essas descobertas, associadas ao aumento da consciência de cidadania da sociedade, certamente aumentarão o número de pacientes portadores de doenças raras que recorrerão ao SUS.

Diante dessa situação é necessário uma reflexão para a formulação de políticas sociais no setor saúde.

No Brasil, foram tomadas algumas iniciativas, pelo governo, para garantir o acesso a medicamentos para doenças raras.

A CEME propôs uma ação governamental para disponibilizar medicamentos essenciais, entre eles produtos órfãos, de difícil aquisição no mercado internacional, seja em função da baixa rentabilidade de sua produção, seja pela raridade do uso do medicamento, nos países produtores (CEME, 1987).

Em 1988, o valor do convênio do INAMPS com a CEME para aquisições de medicamentos excepcionais (Cz$ 15.385.387,29) representou 0,062% do valor total de convênios (Cz$ 24.665.785.367,26). A CEME financiava, desde 1986, projetos de produção industrial de Etambutol, Sulfaquinoxalina, Sulfasalazina e Sulfametazina, pelo Instituto de Veterinária Aplicada e de Corticotrofina, Desmopressina e Vasopressina, pela Formil Química S.A. Financiava, também, o projeto de desenvolvimento do processo de síntese da Desmopressina em fase líquida, pela Escola Paulista de Medicina (CEME, 1989).

Apesar da CEME sempre colocar em seus objetivos a produção de medicamentos críticos, os laboratórios oficiais não desenvolveram tecnologia de produção de medicamentos excepcionais para romper a dependência na área.

Outro exemplo que pode ser citado como investimento que não levou à garantia da produção, foi a pesquisa do Antimoniato de Meglumina (Glucantimeâ ), medicamento para Leishmaniose. Sua produção estava prevista para 1981 pela GETEC-Guanabara Química Industrial Ltda., utilizando tecnologia desenvolvida pelo Instituto de Pesquisa da Marinha-IPQM com apoio da CEME e da Secretaria de Tecnologia Industrial-STI (CEME, 1980: 64). Atualmente o medicamento é produzido no Brasil e também pelo laboratório original, mas freqüentemente está em falta nos serviços públicos.

No orçamento plurianual da CEME, para o período 1990-95, foi fixado como um dos objetivos e diretrizes o estímulo à produção de medicamentos críticos nos laboratórios oficiais e, entre os instrumentos de ações, a reorientação dos laboratórios oficiais para a produção de medicamentos essenciais e de pouco interesse pela indústria privada (Médici, 1991: 23).

A CEME foi um dos esforços governamentais, talvez o mais importante para atuar nos pontos críticos das políticas governamentais para o setor farmacêutico, quais sejam, a ampliação da produção interna de matérias-primas para a fabricação de medicamentos essenciais, e o potencial de crescimento do mercado governamental, permitindo maior acesso da população a esses medicamentos (Lucchesi, 1991: 61).

Apesar desses investimentos, o Brasil não avançou na produção desses medicamentos, ficando até hoje dependente da importação de medicamentos de alto custo.


No Brasil, o programa de medicamentos excepcionais contempla a dispensação de alguns medicamentos designados órfãos. Como exemplo podemos citar: Eritropoietina, Hormônio do Crescimento, Penicilamina, Toxina Botulínica e o Imiglucerase. O medicamento Imiglucerase é considerado um dos mais caros do mundo. É utilizado no controle da Doença de Gaucher, que é uma doença genética, rara. Essa doença afeta, principalmente, pessoas do leste europeu, descendentes de judeus (Basara e Montagne, 1994). O gasto com o medicamento varia de acordo com a dose de cada paciente, que depende de peso corporal, estágio da doença, mas em média está entre 130 a 160 mil dólares/ano (Entrevista 10).

Cabe assinalar a forma de participação, no programa, da empresa Genzyme do Brasil, representante da Genzyme Corporation, produtora do medicamento Imiglucerase, nas aquisições do governo, que segue um roteiro diferente do usual, pois não tem intermediários.

O que funciona, no país, é um escritório de promoções do medicamento junto à rede institucional, composto de um médico (diretor), uma enfermeira, uma bióloga e um administrador. Este escritório atua treinando os médicos, enfermeiros e outros profissionais envolvidos no tratamento e assessorando as SES, que fazem a importação do medicamento diretamente do produtor pelo mesmo preço da fábrica, através de receitas de cada paciente. A empresa americana tem pago as despesas com frete, pois já tem o seguro internacional e a incidência de despesas adicionais à importação acabava reduzindo o quantitativo do produto solicitado. Isto tem significado uma economia importantíssima na aquisição do produto. Também são pagos, pela empresa, a dosagem enzimática e pesquisa de DNA para confirmação do diagnóstico, por ser a doença semelhante a outras, como, por exemplo, a de Nieman Pick, que ainda não tem tratamento, dando margem à utilização indevida do medicamento.

Referência


  • Silva, Regina Célia dos Santos. Medicamentos excepcionais no âmbito da assistência farmacêutica no Brasil. [Mestrado] Fundação Oswaldo Cruz, Escola Nacional de Saúde Pública; 2000. 215 p.



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